Marcos conta que os religiosos judeus ficaram muito incomodados ao constarem que os discípulos de Jesus comiam pão sem lavar as mãos. Essa lavagem não está relacionada com questões de higiene, mas com as leis cerimoniais de purificação religiosa. A lei mosaica determinava que os sacerdotes deviam lavar as mãos e os pés no serviço do Tabernáculo (Ex 30:17-21). Mas a tradição dos anciãos inventou um conjunto de regras adicionais que impunham a lavagem das mãos, pés, copos, jarros, vasos e até as próprias camas. Quem não cumprisse com essas regras, era considerado impuro e espiritualmente contaminado.
Indignados, estes religiosos perguntaram a Jesus a razão do procedimento dos discípulos. Citando Isaías, Jesus chama-os de hipócritas por estavam a valorizar leis exteriores mas o seu coração estava longe de Deus. O termo “hipócrita” referia-se a um actor que usava uma máscara para parecer ser o que realmente não era. Quantas vezes nós também somos assim. Queremos mostrar aos outros aquilo que na verdade não somos. Que Deus perdoe a minha hipocrisia. J.C. Ryle alerta: “Proferir palavras bonitas não devem satisfazer-nos se o nosso coração e os nossos lábios não estiverem em harmonia.”
Jesus disse-lhes que estas regras eram “mandamentos de homens”, não de Deus. Era um dos fardos que os religiosos inventaram para carregar e oprimir o povo (Mt 23:2-4). Em vez de ensinarem e praticarem os mandamentos de Deus, desprezavam-nos e criaram preceitos de tradição humana. A autoridade espiritual baseada na tradição humana oprime e desvia as pessoas da verdadeira autoridade das Escrituras Sagradas.
O Senhor Jesus dá-lhes um exemplo do seu erro, a "corbã". Este termo significa “oferta ao Senhor”. Era uma espécie de doação prometida para a tesouraria do templo. Alguns filhos não estavam a cuidar dos seus pais, conforme o quarto mandamento dizia, porque tinham prometido a "corbã" ao Senhor. Além disso, os escribas e fariseus, sabendo da "corbã", não permitiam que o filho renegasse o seu voto, mesmo que os pais estivessem na miséria. Jesus denunciou esta hipocrisia mascarada de feito espiritual. Eles estavam a substituir a lei de Deus pelas leis humanas. Mais tarde, Paulo escreve: “Se alguém não tem cuidado dos seus e principalmente dos da sua família, negou a fé e é pior do que o infiel.” (1Tm 5:8).
A seguir, Jesus vai explicar que a contaminação espiritual não era um problema exterior de lavagem de mãos, mas um problema de coração. A contaminação espiritual não está fora, está dentro. O mal não vem de fora, o mal está no nosso coração contaminado. Muitos filósofos e pensadores defendem que o homem nasce bom e que são as condições à sua volta que o estragam. É mentira. Nascemos com o coração apodrecido pelo pecado. Os judeus centravam a sua espiritualidade naquilo que comiam, naquilo que faziam ou não faziam. Jesus vem esclarecer que a fonte de toda a contaminação espiritual é interior e vem do nosso coração.
Jesus nomeia alguns pecados que brotam do coração humano nos v. 21-22. Começa tudo com os maus pensamentos. Todo o acto pecaminoso externo começa por um acto interno de decisão. A má acção exterior tem origem num mau pensamento interior. O remédio não é o aperfeiçoamento do velho coração, é um novo coração (Ez 36:26-27). Precisamos da ajuda de Deus para recebermos um novo coração e para vivermos em santidade e pureza espiritual. Isso não acontece por lavar ou não lavar as mãos, por aquilo que se come ou não se come, ou por aquilo que se toca ou não se toca, porque a contaminação é inerente à existência. Conforme alegou Ryle, “cada homem traz, dentro de si o manancial da sua própria iniquidade” .
É mais fácil lavar as mãos do que ter um coração limpo. As religiões procuram limpar as mãos, Deus quer limpar e purificar o nosso coração. Cuidemos com a ajuda do Senhor do nosso coração, alimentando os nossos pensamentos com a Palavra de Deus e obedecendo aos seus ensinamentos.
“Cria em mim, ó Deus, um coração puro e renova em mim um espírito recto” (Sl 51:10).
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