quinta-feira, fevereiro 23, 2006

Agostinho

Conheço um Agostinho. Não é o “santo” e a filosofia dele é diferente da do homónimo. É um mendigo. Pecador. Como eu.
Deambula pelas ruas da minha terrinha, pedindo esmolas aos condutores dos carros que param no vermelho. Barbas e roupas sujas estende a mão à caridade. Pede para comer, mas bebe mais do que come. Sempre que passo por ele sorri para mim. Eu também.

Conhecemo-nos já há alguns anos. Quando passo por ele conversamos um pouco. Pergunto-lhe se o negócio está a correr bem. Ele diz: “vai fraco!” sorrindo para mim com aqueles dentes amarelecidos pelo tabaco e vinho. Muito vinho. Por vezes as coisas correm bem e ele adormece enrolado no passeio. Pergunto-me se um dia ele morrerá assim. Sozinho no chão.

Certo dia convidei-o para uma Campanha evangelística no Palácio de Cristal. Não foi. Evangelismo é muito mais que entregarmos um convite. Mais que tudo, é necessário amarmos as pessoas antes de lhes falar do amor de Deus. Não chega sermos religiosamente ou socialmente correctos. É preciso entrega e compromisso pessoal, como Jesus fazia sempre. Custa-nos muito compreender e praticar isto.

Contaram-me que pede esmolas também para ajudar a mãe que está inválida em casa. Uma noite, quando retornava para casa da mãe, uns jovens,talvez os mesmos que mataram este fim-de-semana outro mendigo, roubaram-lhe o dinheiro do dia. Deram-lhe muita porrada e ele teve que ir para o hospital. Ferido, sobreviveu à brutalidade mordaz desta sociedade, que castiga os fracos.

O Agostinho continua a mendigar. Por amor. Mendiga por Deus e por nós, os abastados crentes.

Até quando?

8 comentários:

Vitor Mota disse...

Por vezes, também faço as mesmas perguntas a mim mesmo. Ajudar realmente, é muito mais do que dar uma moedinha. Mas quererão eles sair da sargeta? Estarão prontos para sair? Estamos nós a chamá-los para sair?

Anónimo disse...

Deu vontade de chorar!!! abçs, Aline

Vilma disse...

Falar da Boa Nova a quem tem barriga vazia não é o melhor meio. Mas sinto-me tão impotente perante casos assim.... fiquei com um nó na garganTa com este post! :(

Tinoca Laroca disse...
Este comentário foi removido por um gestor do blogue.
Tinoca Laroca disse...

a unica coisa que consegue sair de mim... é uma lágrima... que teimo em conter... sei lá eu porquê...

Jorge Oliveira disse...

Vitor e Aspas,

Penso que o mais importante é não passarmos ao largo...

Gustavo Nagel disse...

Jô,

Primeiro, confesso que fiquei surpreso, por ignorar a existências de mendigos aí em Portugal.

Depois, sabe que fico muito perturbado com minha própria passividade diante de casos assim. Imagine no Brasil! São famílias inteiras morando em esquinas, em marquises, viadutos, etc. Eu simplesmente não faço nada, mesmo me vendo tão incomodado com isso tudo.

Obrigado pelo texto.
Nagel

PDivulg disse...

Não é fácil fazer caridade directamente, é fácil falarmos mas por vezes pergunto-me se essas pessoas querem realmente ser ajudadas... Ou se na forma delas serem contentam-se com a vida que levam. Recordo que quando veio a vaga de frio vários voluntários foram oferecer um tecto para abrigarem os sem abrigos e muitos regeitavam...