quinta-feira, outubro 19, 2017

Somente a Escritura

Este ano assinalam-se os 500 anos da Reforma Protestante. Uma das grandes luzes reacendida na Reforma foi o retorno à luminosa verdade das Escrituras sagradas. A Sola Scriptura foi uma das grandes bandeiras dos reformistas do XVI e deve continuar a ser a bandeira dos cristãos do século XXI. A Bíblia é a Palavra de Deus. A Bíblia é a revelação final e completa de Deus, é a verdade divina que nos conduz à salvação graciosa por Jesus Cristo. A autoridade das Escrituras suplanta opiniões de papas, apóstolos, padres, pastores e é superior a todas as tradições e ensinamentos humanos. A tradução da Bíblia das línguas originais para as línguas vernáculas e contemporâneas, foi um dos grandes legados da Reforma Protestante.

Por outro lado, o facto de se começar a ler a Bíblia de forma individual e livre originou também alguns equívocos e heresias ao longo dos séculos. O padre António Vieira, comentando a tentação de Jesus, escreveu que “as Palavras de Deus tomadas em sentido alheio são armas do Diabo.” É fundamental interpretar bem as palavras da Palavra. "O texto fora do contexto serve sempre de pretexto." Um dos livros que li nestas férias foi a extraordinária colecção de reflexões teológicas de Luiz Sayão, Agora Sim! Teologia do começo ao fim. A propósito da má compreensão que há na leitura da Palavra de Deus, Sayão escreve: “É preciso estudar a Bíblia no seu próprio contexto, entendendo os elementos históricos, literários e teológicos para que conheçamos ao máximo a intenção original do texto. Depois disso, temos a tarefa de destacar os princípios que estão presentes no texto, para então comparar o que descobrimos com uma análise teológica mais profunda, a partir de outros textos importantes que falam do princípio descoberto no texto inicialmente analisado. Finalmente, devemos fazer a aplicação do princípio descoberto e teologicamente analisado na realidade do quotidiano.” A boa interpretação da Bíblia tem presente o pano histórico, o contexto dos versículos, do livro e a intenção original do texto. Só assim se consegue extrair bem os princípios e as verdades espirituais que devemos aplicar nos nossos dias.

É fundamental por isso contextualizar a leitura e a interpretação da Palavra, mas, por outro lado a leitura Bíblica não é uma coisa meramente técnica ou normativa. A aproximação descontextualizada da Bíblia é loucura, mas maior loucura é aproximarmo-nos da Bíblia como se apenas letra se tratasse. A ignorância desvia, a letra mata. A Bíblia é muito mais que um livro, a Palavra de Deus é alimento e vida espiritual.

Perante a magnificente herança que os reformistas recolocaram nas nossas mãos, fico assustado ao constatar o descompromisso com a Palavra de Deus de alguns pregadores actuais. Em vez de deixarem a Palavra falar, enchem os seus sermões com as suas próprias palavras, opiniões e temáticas. O escritor Hernandes Dias Lopes, na biografia que escreveu acerca do Apóstolo Paulo, realça o grande compromisso do Apóstolo com a Palavra de Deus (Actos 20:20-27). Hernandes Lopes conclui que “O líder espiritual precisa ensinar só a Bíblia e toda a Bíblia. Ele não pode aproximar-se das Escrituras com selectividade. Toda a Escritura é inspirada por Deus e útil para o ensino e a correcção. A única maneira de o líder espiritual cumprir esse desiderato é pregar a Palavra expositivamente. Não pregar suas próprias ideias, mas a Palavra. Não entregar a sua mensagem, mas a de Deus. A mensagem deve emanar das Escrituras.”

Nestes dias tão confusos e desnorteados é fácil perder o Norte do rumo espiritual. Precisamos de um farol espiritual que seja seguro e confiável. A Bíblia é essa Luz. A Palavra de Deus ilumina, orienta, salva e liberta. “Lâmpada para os meus pés é tua palavra e luz, para o meu caminho.” (Salmo 119:105). As Escrituras Sagradas revelam o sentido da vida e dão-nos o sentido para a vida. A Palavra de Deus é viva e eficaz. Meditemos, preguemos e vivamos a Palavra de Deus. “A exposição das tuas palavras dá luz e dá entendimento aos símplices.” (Salmo 119:130).

Jorge Oliveira
(Crónica publicada na edição nº 167 - Outubro-Dezembro 2017, na Revista Refrigério)

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