quarta-feira, março 09, 2016

"As pregações lidas são uma seca!"

Há falta de concentração nestes dias. Há pouca paciência para escutar, ler, silenciar, reflectir. Em mim também. Não faltam distracções a tentar roubar-nos a atenção. Nas Igrejas evangélicas exige-se pregações curtas e estimulantes. O pregador Henry Ward Beecher (1813 - 1887) disse que "A melhor maneira de tornar breve um sermão, é torná-lo mais interessante". Alguns pregadores usam artifícios criativos para cativar a atenção dos ouvintes: histórias, ilustrações, piadas, imagens, vídeos. Nada contra. Uso esses recursos, principalmente nas lições da Escola Bíblica Dominical e, desde que contribuam efectivamente para realçar a mensagem, considero-os benéficos. A grande problemática dos ornamentos criativos é quando não realçam a verdade bíblica e se tornam o objectivo. O mais importante da mensagem não é o embrulho, é o conteúdo. O perigo do papel criativo na mensagem é ele próprio ser o papel principal da mensagem.

Por falar em papel, talvez muitos cristãos evangélicos actualmente não apreciem muito uma pregação lida do púlpito. Se o sermão (e já o termo é pesado para muitos hoje) for lido num tom monocórdico e demorar mais de meia hora, então é que não há mesmo pachorra. “Uma seca!”, dirão alguns jovens e outros menos jovens, porque isto da falta de paciência não é um exclusivo juvenil. E o que dizer da leitura de orações em público? Em certos contextos evangélicos, ler orações em público é capaz de ser considerada uma prática herética, uma formalidade arcaica, conotada aos costumes católico-romanos. Entendo estes anticorpos protestantes, mas recordo que o protestante Martinho Lutero costumava usar a Litania. A Litania é uma das formas mais antigas de oração cristã, provavelmente adaptada do culto da sinagoga pela Igreja primitiva. Era uma série de intercessões, súplicas e invocações lidas, seguidas por respostas da congregação. Hoje, são poucas as igrejas evangélicas que as utilizam - talvez a Reforma esteja demasiado afastada da realidade das nossas Igrejas. É pena.

Digo isto, não porque preconize que as pregações e orações devem ser exclusivamente lidas, mas para darmos importância ao que de facto é importante. Desprezar apressadamente a forma sem considerar a substância, é um erro. Embora geralmente escreva o esboço das minhas pregações, não o leio de forma discursiva. Também não costumo ler orações na minha congregação, mas tenho pensado numa oração que John Stott mencionou no final do seu excelente livro "Eu Creio na Pregação", e que ele costumava fazer quando subia ao púlpito:

“Pai celeste, curvamo-nos diante da Tua presença.
Que Tua Palavra seja a nossa regra,
O Teu Espírito, o nosso mestre,
e a Tua maior glória a nossa ocupação suprema,
por Jesus Cristo, nosso Senhor."


Transcrevi-a para a minha Bíblia. Rememoro-a algumas vezes antes de pregar. Não foi Stott que a escreveu, mas tornou-a sua. Faço-a minha também. Identifico-me com tudo o que ela exprime. É o mote desta crónica. Quero subir ao púlpito de joelhos, consciente da presença do Altíssimo. Intercedo para que Deus me ajude a pregar nos limites da Palavra. Oro para que O Espírito Santo ilumine, convença e console os corações dos ouvintes. Anseio, sobretudo, pela suprema glória de Deus.

O que realmente me interessa é se aquilo que é pronunciado, seja de forma espontânea, escrita ou lida glorifica de facto a Deus. Em vez de desaprovarmos tanto a forma das coisas, julguemos a sua essência. Não rejeitemos uma mensagem ou uma oração só porque não segue uma pretensa espontaneidade que nós próprios idealizamos. Os judeus recitavam Salmos e orações. A Igreja primitiva também. As únicas repetições que Jesus reprovou foram as vãs. E no que concerne à oração, Jesus deu-nos um padrão que os evangelistas registaram para nós lermos, meditarmos e repetirmos. O embrulho é importante, o conteúdo é mais.


Jorge Oliveira
(Crónica publicada na edição nº 160 - Inverno 2016, na Revista Refrigério)

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