segunda-feira, janeiro 30, 2017

A Verdade suplanta a Pós-verdade

A Porto Editora tem promovido nos últimos anos a eleição de uma palavra que procura enaltecer a riqueza lexical da língua portuguesa. No ano de 2016, a palavra escolhida foi “Geringonça”. Este vocábulo foi usado para designar a coligação parlamentar que apoia o actual governo de esquerda. “Geringonça” simboliza uma coisa malfeita e com pouca solidez. Ao contrário do que muitos imaginaram, a Geringonça esquerdina lá se tem aguentado.

No final do ano passado, os editores que publicam os famosos dicionários britânicos "Oxford" também escolheram a sua palavra do ano. A escolha recaiu na curiosa expressão “post-truth”, que pode ser traduzida para português como “pós-verdade”. Esta expressão surge no contexto da saída britânica da União Europeia (o “Brexit”) e na sequência da surpreendente eleição de Donald Trump para presidente dos Estados Unidos. Segundo os dicionários Oxford, pós-verdade é um adjectivo que faz referência a circunstâncias em que os factos objectivos têm menos influência na formação de opinião pública do que os apelos emocionais e as opiniões pessoais. Ou seja, as opiniões e emoções vencem a verdade factual. Parece que o mais importante no pensamento actual é aquilo que cada pessoa opina, defende e escolhe acreditar. A pessoa é toda a verdade que existe. Na cosmovisão pós-moderna (que de moderna não tem nada), cada um tem o seu ponto de vista e isso é a verdade que importa.

Obviamente que a pós-verdade remexe com as entranhas de qualquer protestante esclarecido. O cristão acredita que há uma só verdade, a qual é Jesus Cristo. Os cristãos podem enganar-se, Cristo não. As verdades humanas são relativas e tendenciosas, Jesus Cristo é a única verdade completa, perfeita e absoluta. Partir do pressuposto que a nossa limitada opinião é toda a verdade que existe é fazer da própria verdade um embuste.

A era da “pós-verdade” não é nova. A Bíblia identifica claramente o inventor da pós-verdade: o diabo. Não há verdade nele e a mentira é aquilo que verdadeiramente o caracteriza. Ele sabe que o inferno está cheio de opiniões e emoções. Talvez o grande catedrático da pós-verdade tenha sido Pôncio Pilatos quando perguntou à própria Verdade encarnada o que era a verdade (João 18:38). Pilatos mandou matar a Verdade. Mas crucificar a Verdade não a cala. A Verdade suplantou a mais tenebrosa das tumbas.


Gosto de um belo texto do russo Fiodor Dostoievski em “Diário de um Escritor”:
Nós já esquecemos completamente o axioma de que que a verdade é a coisa mais poética no mundo, especialmente no seu estado puro. Mais do que isso: é ainda mais fantástica que aquilo que a mente humana é capaz de fabricar ou conceber. De facto, os homens conseguiram finalmente ser bem-sucedidos em converter tudo o que a mente humana é capaz de mentir e acreditar em algo mais compreensível que a verdade, e é isso que prevalece por todo o mundo. Durante séculos a verdade irá continuar à frente do nariz das pessoas mas estas não a tomarão: irão persegui-la através da fabricação, precisamente porque procuram algo fantástico e utópico.

A “pós-verdade” é trágica. Tudo o que seja antes e depois da verdade é mentira. A verdade é muitas vezes diferente do que nos contam, do que se lê e vê nas televisões, jornais e redes sociais. A realidade virtual é isso mesmo: apenas virtual. A pior ilusão que a revolução tecnológica nos trouxe foi levar-nos a pensar que aquilo que lemos e ouvimos dos nossos “amigos”, “seguidores”, grupos e guetos é toda a verdade que existe. Não é.

A resposta que Jesus deu ao céptico Tomé, permanece verdadeiramente imprescindível para o Homem pós-verdade: “Eu sou o caminho, e a verdade, e a vida. Ninguém vem ao Pai senão por mim" - João 14:6. A Verdade é O caminho que se faz Vida. Andemos nEle.


Jorge Oliveira
(Crónica publicada na edição nº 164 - Janeiro-Março 2017, na Revista Refrigério)

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