quinta-feira, maio 12, 2016

A tentação e a liberdade

O grande romancista russo Lev Tolstói conta a história de Evguéni, um jovem solteiro, bacharel em direito, que mantém um relacionamento sexual com Stepanida, uma bela camponesa casada. “Não que fosse um depravado”, desculpava-se ele, “era somente para satisfazer as suas necessidades físicas, para bem da sua saúde e da liberdade intelectual.”

Mais tarde, Evguéni conhece a esbelta Lisa e casa-se com ela. Um dia, ao entrar no seu quarto, Evguéni esbarra com Stepanida. Ela tinha vindo ajudar Lisa nas limpezas, juntamente com outra mulher. Ao ver a linda camponesa, renasce em Evguéni a ardente tentação de adulterar com ela. Consciente da abominação dos seus desejos, ele tenta esquecê-la, mas sem sucesso. Parece que a volúpia e a loucura tinham tomado conta de todo o seu ser. Evguéni definha mentalmente e fisicamente. Estava prisioneiro da sua “liberdade intelectual”.

Adão e Eva foram os humanos mais livres que a liberdade alguma vez pode ser. Podiam fazer tudo e comer tudo, com uma única ressalva: não deviam comer do fruto da árvore do conhecimento do bem e do mal, pois se comessem morreriam. As instruções de Deus foram claras e precisas. As propostas da Serpente, por seu turno, eram carregadas de dúvidas e mentiras: “Não podeis vós comer de tudo? Talvez não morram! O que Deus não quer é que vocês sejam como Ele, realmente livres, conhecendo o bem e o mal!” Sabemos que Eva, infelizmente, engoliu a insinuação libertina lançada pelo diabo travestido de Serpente e comeu o fruto com o seu marido Adão. Desobedecendo à vontade de Deus, trouxeram consequências terríveis para eles e para todos nós. Perdemos ali a liberdade real.

Saltam-me duas lições da tentação no Éden. A primeira é que as propostas de Deus, ainda que não conheçamos todos os contornos, são claras, verdadeiras e libertadoras. As sugestões do diabo, por outro lado, são ambíguas, embusteiras e opressivas. Ceder à tentação é ficar amarrado. E as tentações não são só na área sexual. Existem centenas de outros “belos frutos” que nos procuram acorrentar. Deus liberta, satanás oprime e escraviza.

A segunda lição relaciona-se com a ilusão satânica de que a vontade de Deus não é assim tão boa, que talvez o melhor seja contrariar a direcção divina e fazer tudo o que nos apetece. Este engodo é servido num prato bonito, acompanhado com violinos, com promessas libertadoras de mais prazer, mais saber e mais poder. Grande engano.

C. S. Lewis sintetiza bem o logro na tentação: “A mentira consiste na sugestão de que estaremos mais seguros se nos preocuparmos prudentemente com a segurança das nossas finanças, com o nosso conforto e com as nossas ambições. Mas isso é falso. A nossa protecção verdadeira está na vida do cristão comum, na teologia moral, no pensamento racional equilibrado, nos conselhos de bons amigos e de bons livros, e, se necessário for, num hábil conselheiro espiritual. As aulas de natação são melhores do que uma tábua de salvação.”

A melhor maneira de lidarmos com as ondas da tentação é confiarmos mais no Criador dos oceanos do que nas nossas pobres tábuas de salvação. É submetermo-nos ao Senhor e continuarmos a nadar. Orar e vigiar para que a tentação não se transforme em afogamento. Um querido Pastor, que já está na presença do Senhor, costumava dizer que quando estamos de joelhos, o diabo não nos pode passar rasteiras. A oração demonstra que confiamos mais na vontade de Deus do que nas nossas traiçoeiras vontades.

Escusado será dizer que o conto que Tolstói apelidou de “O diabo”, que só foi publicado após a sua morte, termina mal. Tanto no final original, como no final alternativo, sente-se o odor pútrido da culpa mortal. “Havendo a concupiscência concebido, dá à luz o pecado e o pecado, sendo consumado, gera a morte” (Tiago 1:15). Por mais atraentes que sejam as sugestões prazerosas da Serpente, são sempre maléficas e destruidoras. Não é o conhecimento do bem e do mal que nos liberta, é o conhecimento da verdade. Jesus Cristo é a verdade. Quando vivemos em Cristo e fazemos a Sua vontade, encontramos finalmente a liberdade.


Jorge Oliveira
(Crónica publicada na edição nº 161 - Abril/Junho 2016, na Revista Refrigério)

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