quarta-feira, dezembro 03, 2014

Barro luminoso

Um destes dias levantei-me da cama do meu quarto e não acendi a luz. Estava muito escuro. Quando procurava tocar a porta, encontrei uma parede. Por breves instantes tive aquela horrível sensação de desorientação semelhante à cegueira. Avancei esbaforido para a porta, mas como estava entreaberta, bati desalmadamente com a cabeça na porta. Embora "cego", vi estrelas. O “galo” ainda cá canta.

No sexto sinal, dos oito descritos no Evangelho de João, há uma estranheza maior além da própria estranheza já inerente aos milagres. Jesus cuspiu na terra e untou os olhos de um cego. Alguém sugeriu que a seguir à morte, a cegueira é a talvez a maior perda de um ser humano. Impede-nos de vislumbrar as maravilhas de Deus e dos homens, restringe a vida e faz-nos depender totalmente dos outros. A cegueira, as doenças, o mal, a morte são consequências da entrada do pecado na humanidade. Todos nascemos cegos, todos somos pecadores (Rm 3:23; Rm 5:12; Ef 2:1; 5).

“Rabi, quem pecou, este ou seus pais, para que nascesse cego?” perguntaram os discípulos a Jesus. O pensamento judaico era dominado pela lei da retaliação - quem está a sofrer é porque fez algum mal. Infelizmente ainda hoje muitos cristãos (evangélicos também!), ainda continuam prisioneiros desta lei. A Teologia da prosperidade, por exemplo, ensina precisamente esse erro: toda a doença, pobreza e males vem do diabo e do pecado pessoal. Quem está doente é porque fez algum pecado e precisa de um exorcismo (e de dar mais uns dízimos dobrados).

Não há dúvida que o Pecado é o maior problema da humanidade. É por causa dele que as pessoas são condenadas eternamente. A única solução para o pecado é a confissão, o arrependimento sincero e a aceitação do perdão de Deus, mediante o Senhor Jesus. Também é verdade que existem doenças, sofrimentos e adversidades que são consequência directa do pecado e das más atitudes (1 Co 11:30; Tg 5:15). Mas esta passagem (e outras) ensina que nem toda a doença e sofrimento procedem directamente de um pecado pessoal ou familiar.

Foi o próprio Jesus que esclareceu que aquela cegueira não estava relacionada com o pecado do cego ou dos seus pais, antes serviria para a manifestação das obras de Deus, para a salvação daquele pobre homem. Muitas vezes não conhecemos as razões porque nos sucedem algumas desgraças e aflições, mas se confiamos no soberano Deus, acreditemos que Ele tem tudo no seu controle e que nada nos acontece por acaso. Há “males” na nossa vida que servem para o bem! Servem os seus elevados propósitos.

Porque é que Jesus cuspiu na terra e colocou aquele barro nos olhos do cego? Não sei em concreto. Sei que Jesus é Deus e que pode usar os métodos que podem parecer-nos “estranhos”, mas que são sempre os melhores. Estaria neste barro uma alusão ao processo criador de Deus na formação inicial do homem com pó da terra (Gn 2:7)? Talvez. Calvino sugere que Jesus tapou com barro os olhos cegos do homem para intensificar ainda mais o milagre. O cego precisava ser ainda mais cego para que o sinal fosse inequívoco.

A seguir, Jesus mandou o cego lavar-se no tanque de Siloé (v. 7). Aquele que foi enviado pelo Pai, enviou o cego a banhos. Este tanque simbolizava um teste de fé e obediência para aquele homem. Ao contrário do chefe do Rei da Síria, Naamã (2 Re 5) o cego não questionou a estranheza e a simplicidade dos métodos divinos. Foi e lavou-se. Quando se lavou, começou a ver. Mas este milagre, para além de gerar curiosidade em muitos, provocou medo nos seus pais e inveja e descrença nos religiosos incrédulos.

Jesus foi novamente ao encontro do homem que tinha sido cego. Nesse precioso encontro, o que já não era cego começou finalmente a ver. Espiritualmente. Creu no Filho de Deus e adorou-O (v. 35-41). Jesus é a luz do mundo. Ele não só fez a luz, faz-se luz para que todos os que nele crêem não andem em trevas. Ele ilumina, perdoa, solta, anima e aviva. Que possamos também ser o barro luminoso nas suas mãos para este mundo em trevas. Que Ele nos ajude.

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